terça-feira, 7 de agosto de 2012

Jorge Amado e o Berro D'água


             Dimas Macedo
                                                      
                                      
             A Morte e a Morte de Quincas Berro d’Água (Rio, Editora Record) é uma das mais extraordinárias novelas de nossa  literatura. Em suas páginas, o escritor Jorge Amado narra episódios da vida aventurosa, sentimental e amorosa de Joaquim Soares da Cunha, o Quincas Berro d’Água, personagem imortal da literatura brasileira, tal como pulsante e imortal é a escritura e a obra do grande romancista baiano.

              Joaquim Soares da Cunha é apresentado, na novela de Amado, como sendo funcionário da Mesa de Rendas da Bahia, pai de família, homem honesto e respeitado em todos os recantos da vida política e social. Joaquim Soares, contudo, após aposentadoria e em seguida à morte da mulher, virou um dos maiores vagabundos do Estado.

              Certo dia, quando estava dormindo na casa de Quitéria, sua amante, Berro d’Água veio a falecer. A notícia se espalhou muito rápido, pois se tratava do maior vagabundo da Bahia. Vanda, sua filha, logo que ficou sabendo de tudo, não se lamentou profundamente, pois na sua cabeça, desde que seu pai virou vagabundo, ela o dera como morto. No entanto, mesmo com dificuldade financeira, os familiares se reuniram e decidiram fazer um enterro digno de Joaquim Soares da Cunha e não de Quincas Berro d’Água.

             Os quatro amigos mais íntimos de Quincas Berro d’Água eram: Negro Pastinha, Curió, Cabo Martim e Pé-de-Vento. Logo que tomaram conhecimento da notícia, ficaram totalmente arrasados e saíram rapidamente em direção ao velório. Quando chegaram, Quincas ria das pessoas como se estivesse vivo (talvez estivesse) e por isso muitos custaram acreditar que Quincas estava realmente morto.

              Depois que todos os familiares (Vanda, Leonardo, Marocas e Eduardo) saíram do velório, os amigos de Quincas Berro d’Água o levaram de volta para a farra, pois naquele dia comia-se, na terra de Rui Barbosa e de Castro Alves, a incrível moqueca do Mestre Manuel, a melhor da Bahia, na opinião de muitos.
             Na festa, quando todos estavam bêbados e de barriga cheia, começou a cair um temporal na cidade. De repente, perceberam Quincas Berro d’Água se atirar no mar, proclamando o seguinte: “Me enterro como entender na hora que resolver. Podem guardar meu caixão para melhor ocasião. Não vou deixar me prender em cova rasa no chão”.

             A Morte e a Morte de Quincas Berro d’Água é uma novela rica na exploração do fantástico e é considerada uma das maiores obras literárias do Brasil, principalmente por Vinícius de Moraes, que a tem como novela verdadeiramente extraordinária. Trata-se, assim, de uma história que desafia a morte e mostra que o impossível (e o imprevisível) sempre pode acontecer.
            A novela de Amado, segundo Aluysio de Mendonça Sampaio, em Jorge Amado – O Romancista (São Paulo, Editora Maltese, 1996), parece “elaborada numa linguagem contida, mais próxima do clássico que do barroco, desprovida de preocupação, sempre comum nos romances anteriores (de Jorge Amado), do lirismo acentuado, da prosa metrificada”.
            E prossegue Sampaio: “A Morte e a Morte de Quincas Berro d’Água é marcada pelo enfoque mágico de uma realidade, vista através de uma metáfora: ao crivo da visão de outros personagens, diante do cadáver de Quincas fatos acontecem como se vivo continuasse o personagem”.

             E nesse sentido, me parece proveitoso afirmar, Quincas Berro d’Água ainda não morreu, pois, segundo o próprio Jorge Amado, “Quando um homem morre, ele se reintegra em sua respeitabilidade a mais autêntica, mesmo tendo cometido loucuras em sua vida. A morte apaga, com sua mão de ausência, as manchas do passado e a memória do morto fulge como diamante”.
             No entanto, com relação a este livro do grande romancista baiano, cabe registrar que os seus motivos e a sua saga e bem assim o seu personagem principal são situações genuinamente cearenses, conforme o testemunho e o documento que dessa verdade se pode conferir no livro do poeta e ensaísta José Helder de Souza: Cabo Plutarco - O Berro d’Água (Fortaleza, Imprensa Universitária, 1982).
            E quem seria, na vida real, esse grande personagem do autor de O Sumiço da Santa? Para o jornalista José Helder de Souza, esse “vagabundo dos becos e ladeiras da cidade da Bahia”, seria o sobralense e reservista do 1º Batalhão de Caçadores de Petrópolis, Wilson Plutarco Rodrigues Lima, uma vez que o próprio autor de A Morte e a Morte de Quincas Berro d’Água, em discurso proferido na Universidade Federal do Ceará, ao agradecer título honorífico que lhe foi outorgado, afirmou que “Quincas Berro d’Água foi gerado em Fortaleza, onde brotou a ideia deste pequeno romance”.
               E que o leitor se convença da verossimilhança e das influências cearenses presentes nessa narrativa, pois a pesquisa de José Helder de Souza é criteriosa, trazendo o seu livro, de permeio, uma fotografia do Cabo Plutarco, a versão do escritor Milton Dias sobre o assunto, e a certeza de que esse grande cronista cearense, fabuloso contador de histórias, soprou nos ouvidos de Amado, lhe presenteando, por certo, com um dos enredos mais imaginosos na literatura brasileira.

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