terça-feira, 25 de dezembro de 2012

Confissão de Fé e Transcendência

          Dimas Macedo

                                               
                                                        
                                                             Mosteiro dos Jesuítas em Baturité (CE)
                                                                         Foto de Lúcia Cidrão

              Sou um homem fascinado por Deus e vocacionado para Deus. A infância espiritual de que nos fala Santa Teresinha, em História de Uma Alma, foi o primeiro dos meus muitos estigmas divinos. E depois, com o tempo, me fui deixando seduzir pelo Cristo vivo das epístolas de São Paulo, o maior e o mais belo de todos os servos do altíssimo.

           O sentido de justiça que ilumina o meu discernimento; os avisos que me são revelados na dúvida; a transformação das minhas energias perdidas, quando estou diante da morte e do abismo; a recepção da minha compaixão e da minha solidariedade latentes, por parte de grupos e pessoas - são, entre outros atributos, traços com que Deus me dá o sinal da sua graça e da sua presença em minha vida.

           Na sociedade moderna, o conhecimento sobre as coisas do mundo e a informação sobre suas misérias aumentam ainda mais a ânsia dos que sofrem. E assim sendo, faz-se preciso que o espírito de Deus transborde, definitivamente, do interior das pessoas que realmente o amam e que vieram ao mundo para glorificar o seu nome.

             O reino da violência e a sua difusão entre as massas é tão somente e momentaneamente uma manobra ilusória das coisas abjetas sobre o sentido plural e dinâmico da vida interior das pessoas, que não cessa e não vai jamais se extinguir. O modelo econômico e o sistema político de hoje não serão, necessariamente, formas de exercício do poder político no futuro.

           Temos que atentar para o fato de que, quem conduz o mundo e a história, não é uma armação política momentânea, porém a força vital dos homens de boa vontade e de ação que comandam os bastidores e a parte maior da arena social, que é apartada e excluída da sociedade da estupidez e do ócio, e que forma, por isto mesmo, o cenário por onde as construções humanas e as grandes esperanças trafegam.

             Não aceitaria jamais chegar a Deus ou partilhar da sua bondade e da sua compaixão eternas trilhando unicamente a lógica e os raciocínios simplistas dos que se deixam boiar nas ilusões, em busca da razão e dos falsos caminhos da certeza.

            Deus é uma revelação interior e uma vocação singela que se instalam nos recessos da alma. Total e triunfante, onisciente, plural e a cada dia mais novo e redivivo, Deus se encontra pulsante no interior de todas as pessoas, independentemente de sua posição social e de seu credo religioso ou político.

           Deus e o seu reino estão dentro de nós como uma rocha. Não adianta tão-somente procurá-lo dentro de igrejas, em ladainhas mentais inconsequentes e em rituais que nunca livraram o homem do abismo. O Deus que aceito e o Deus que proclamo é o que habita em mim de forma compulsiva. É o que fica comigo diante do espelho. É o que se deita comigo na varanda e pastoreia as estrelas do céu com olhos totalmente cegos de belezas.

           As estrelas são pedras de Deus no firmamento. São partículas de luz para guiar a crença. E os céus e os seus limites infindáveis são os campos de pastoreio do altíssimo e de suas plantações de uvas e de trigo. O vinho que Deus faz nessa oficina mágica é para enternecer o homem e desvia-lo do caminho torpe do pecado. E o pão é para saciá-lo da fome que o conduz de volta para a morte.

            Creio que fui feito por Deus para vencer a solidão da morte, para voar na direção do silêncio e para pairar por sobre os vales maduros da espera. Não fui feito para a morte da vida que se esvai no balanceio do corpo, que se estraçalha na decomposição dos tecidos e dos ossos.

            Pertenço às estruturas da vida que se edificam a partir de fagulhas de luz e de soprinhos menores de borrascas, que se acumulam nas vertigens do corpo e que formam as imensas dunas do espírito. Os meus alojamentos e as minhas estalagens, e as minhas ferramentas de místico e de poeta eu aí as deposito para com elas escalar as montanhas da alma e me lançar diante de Deus e sorver o brilho maduro dos seus olhos.

           Registro, por fim, que em matéria de coisas do eterno, sou seduzido pelo Cristo Cósmico dos escritos de Theilhard Chardin, mas que sou fascinado, também, pela via mundana de preparação dos grandes projetos do espírito, porque me diz de perto o processo de purificação das essências humanas pelo fogo. A via, portanto, através da qual, Santo Agostinho de Hipona edificou a fé no meio da razão.

             Desse grande arauto de Deus e da Igreja, tocaram-me sempre, de forma indelével, as suas Confissões e a claridade com que abriu a alma para o mundo, revelando-nos a santidade de que o mundo está contaminado. A sua mística cultural e a sua razão hermenêutica sempre foram para mim quase tudo em matéria de fé, mas não o suficiente para me tirar da rota dos castelos da alma, que são os mais belos recessos do espírito e a morada de Deus, sem nenhuma dúvida.

          Teresa de Ávila é a maior de todas as minhas referências, no plano do espírito e no plano da ação humana com que buscou salvar a obra de Deus em construção. Com o seu Castelo Interior ou Moradas, a Igreja do Cristo ressurreto tomou um vulto totalmente novo e as cavernas da mente passaram a abrigar as luzes do espírito. E é por isto que eu amo a sua postura de mestra e de doutora, a sua aflição pessoal e particularíssima, e assim também o denodo com que venceu os dilemas da imaginação e os caminhos errados da beatitude.

              Com San Juan de la Cruz, o maior de todos os poetas divinos, aprendi a encontrar as levezas mais puras da vida interior e a escalar os andaimes da graça em busca do amor de Deus e do perdão. Com ele, o sentido da morte se tornou mais leve em minha vida, e os vales da alma se fizeram brancos como a neve.

            A resignação e o amor que vi frutificados em seus textos, em prosa e em verso, levaram-me depois à humildade e a um imenso desapego das coisas; e os ensaios de Santa Catarina de Siena e de São Vicente Ferrer mostraram-me que a noite escura da alma é o início da sua redenção.

           Sou, portanto, um místico na mais conhecida acepção do termo. Um místico e um monge que se deixou queimar pelas paixões mundanas e que agora renuncia às ilusões do ócio em favor de um mundo novo que se abre, e que se quer unir pela beleza com a beleza da vida transcendente.

            Os clássicos espirituais da cristandade e a luz das escrituras sagradas como um todo, o amor e a graça de Deus em minha vida, os mistérios infindáveis da dúvida e os rituais sagrados da renúncia são os vórtices com que me armo guerreiro para vencer as fantasias da mente.

            Não tenho dúvidas de que sou um cristão na carne o no espírito. E se vim ao mundo, foi para desfrutar a plenitude do mundo, apartado totalmente o espírito das ilusões do ego e da maldade.

            Não penso (como nunca pensei) que a renúncia é uma prova de fogo. Acho, pelo contrário, que a renúncia é o início da busca e que a busca de Deus é o sentido. E o Deus que busco é o Deus total das coisas mais singelas, o Deus dos excluídos e necessitados, o Deus dos oprimidos e dos que morrem de fome e de sede por falta de Justiça.
          
 
Igreja de Jesus, Maria e José, em Marrecas
Tauá (CE). Foto de Cleonice Cidrão
 
                                                                           
                                                
 
    Igreja de São Vicente Ferrer em
   Lavras da Mangabeira (CE)
Foto de Lúcia Cidrão
                                                                         

2 comentários:

  1. Belíssimo texto, professor! Buscar a Deus é também buscar o que há de mais belo e singelo dentro da gente. Perceber que Ele habita em nós, sentir o Seu amor e a total cumplicidade que há entre o Criador e a criação, não há experiência igual... Lamentável são as maldades feitas em Seu nome.

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