quinta-feira, 21 de fevereiro de 2013

Tempero de Amélia Rocha

               Dimas Macedo


                                      
                                                      
                                                                                           Amélia Rocha e Dimas Macedo
                                                                                                     Em Defesa da Poesia

              O estatuto da sensibilidade fincou-se, há anos, na contramão da história. Assim como resistir é preciso, faz-se indispensável que os potenciais de ternura não se percam nunca, e que a arte, assim como a vida, seja a grande resposta a iluminar os caminhos do homem.

            O que é amor? A arte amorosa é um nada quando se quer tão-só a pulsação do sexo e a deformação do corpo e de todas as suas formas plurais de energia. O corpo é a matéria porosa mais sofisticada e é totalmente iluminado pelas formas divinas do sagrado.

             Poetas verdadeiramente grandes como São João Evangelista e Santa Teresa de Jesus mostraram ao mundo que entre a liturgia da carne e os sentidos supremos da renúncia a luz de Deus se coloca e aí latejam todas as formas tormentosas da vida, pois Deus é solidão e é tudo o que se basta, pois Deus, superior a tudo, é tudo o que termina.

            Deus, portanto, muito antes do homem, vem conduzindo, com esmero e talento, a solidão plural de todos os poetas, a todos revelando a sua alegoria e os seus mistérios plurais e insondáveis.

            Amélias, teresas, bandeiras, cecílias, pessoas, personas, presenças, ausências, talheres, ternuras, vinhedos, espumas, conflitos, contrastes, tragédias, comédias, calcanhos, carências, cafetos, poéticas, estéticas, no prato, seremos, um dia, quem sabe, poetas, profetas, lilases, capazes, carecas, eurekas, gravadas no peito.

            Sem jeito, pois, meus amigos, a poesia: o imponderável que se revela no rosto por inteiro, como neste livro-Tempero, de Amélia Rocha, pois o que é a arte, em parte, é um mistério, e em parte, também, a arte é um tinteiro; e por derradeiro vos digo: a arte é um perigo; a arte pelo chão; a arte é um dragão cruzando com leoa.

            E mais: que faz uma poetisa inteira como Amélia? Não sei. Talvez sintaxe, a mais aberta na língua e no estilo. E que Camilo Pessanha se maltrate, pois que Amélia tem tudo o que eu não faço: nasço do tédio e Amélia é boi na chuva.

            Cachos de uva suspensos no comboio. Os elementos do sangue na garganta. A dor latente gravada na memória. E que se faça o mito neste texto: Tempero com sal grosso. É só picanha o texto de Amélia. É só caroço de manga a sua arte. 

            Sem mais disfarce proclamo para o mundo: este Tempero de Amélia é coisa rara. Essa alegria rara de Amélia é escritura. Essa candura de Amélia é coisa nossa. É ferradura na sola do sapato. Tão abstrato o canto aqui exposto. Tal o sol posto nos versos de um soneto. Tal um quarteto de cordas no armário. Tal o sacrário da dor dentro do peito.  

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