quarta-feira, 16 de outubro de 2013

Carlos Augusto Viana



            Dimas Macedo


            O que seria a obra de arte literária? Em que consistiria o êxtase do seu grande diálogo com a língua? Acho que a unidade linguística de um livro e a permanência dos seus códigos semânticos, respondem às perguntas acima; e que a literatura constitui a representação mais profunda do ato de viver.

            Um livro não é um arrazoado de palavras. Não é um bloco de textos que se quer desgarrado da estética da vida e da sua essencialidade. E disso nos dá a certeza Carlos Augusto Viana, no seu inventário de poemas - Inscrições dos Lábios (Fortaleza, Expressão Gráfica, 2002), livro que é bem o atestado de como a arte literária impõe-se à inteligência de uma geração.

            O autor de Primavera Empalhada (Fortaleza, Nação Cariri Editora, 1982) esperou vinte anos para superar o seu livro de estreia, legando-nos agora os indícios de uma nova escritura na qual os seus leitores não mais acreditavam. Mas é certo que, dessa forma, fez uma revisão crítica e necessária da sua produção e, sobre os seus inéditos, exerceu a prudência que a humildade e a sabedoria recomendam.

            Isolado que seja o aspecto da prudência, pensávamos que Carlos Augusto, por algum reverso, estivesse assustado com o público, ou cativo das prisões que o ensino da língua portuguesa lhe havia imposto. Mas o poeta ressurgiu em 2002 com um sopro novo, remarcando a palavra com o ferro da sua lírica genuína, e com a força viva e trepidante da sua semântica literária, que é uma das melhores que se fez e, ainda, se faz no Ceará.

            O manuseio de imagens e metáforas, feito com o engenho e a arte que lhe são absolutamente pessoais, constitui, talvez, a qualidade mais exuberante desse poeta cearense. Mas o que quero destacar, igualmente, é que Carlos Augusto Viana sabe, como poucos escritores, dialogar com a imaginação do leitor, tamanha a sua sede de formas e a sua grave intelecção criativa.

            Carlos Augusto nos ensina, com os seus poemas, que a arte não é um lenitivo para a vida, senão que a arte é a suprema euforia da vida, e que a arte refaz o tecido essencial da vida por meio do uso de imagens e de torneios alegorizantes.

            A poesia de Carlos Augusto nos conduz a uma intertextualidade sutil e seminal, dialogando abertamente, no contexto de Inscrições dos Lábios, com grandes poetas cearenses, arrolando-se Jorge Tufic, Linhares Filho, Francisco Carvalho, José Alcides Pinto e Artur Eduardo Benevides, entre eles. E vai além: transforma o cheiro, o frescor, o salitre, a memória, o azeite e o trigo da mulher amada em escritura literária de fina estampa e abrangência.

            Mel e porcelana, algodão e novelos, óleo sobre tela, memórias e resinas, pele, gestos e anunciações, auroras e paisagens, alvenarias e enlevos, tecidos, volições, tatuagens e lembranças, entre outros afetos, constituem as inscrições murais e os elementos com que Carlos Augusto Viana tece os seus lençóis de linho em busca da glória literária.

             Creio que já afirmei que Carlos Augusto Viana é um dos estetas maiores e mais puros da poesia que ainda se quer revelar com criatividade em busca de uma maturação definitiva. E, considerando-se o furor criativo e o indiscutível domínio da linguagem que lhe são inerentes, podemos, com certeza, dizer que Viana é uma das vozes mais altas e maduras da literatura de sua geração.

             Lembro, por oportuno, que Carlos Augusto foi um dos raros poetas dessa geração a figurar, com acerto e louvor, na clássica antologia de Assis Brasil: A Poesia Cearense no Século XX (Rio, Editora Imago, 1996), apesar de possuir, na época da feitura da mesma antologia, tão-somente um livro de poemas. E assim foi o poeta firmando o seu nome até chegar a esse novo inventário de poemas, que traz capa do artista gráfico Geraldo Jesuíno a partir de óleo sobre tela do artista plástico Vando Figueiredo. 

            O seu primeiro conjunto de poemas, quando publicado, levantou a curiosidade da crítica. E, na oportunidade, escrevendo sobre o seu livro de estreia, divisei no conjunto dos poemas coligidos “um livro cheio de metáforas e de símbolos”; e afirmei ser Primavera Empalhada “um livro sobremodo envolvente, denso de cumplicidade e de lirismo, pleno de evocações e de recursos criativos”.

            E continuando na minha alocução, ajuizei, em seguida, que, em termos de linguagem e de elementos semânticos, seus poemas constituíam peças da melhor qualidade literária, revestidas de experiências formais e ungidas de ressonâncias verbais e polifônicas, destacando também, na oportunidade, a plasticidade da sua criação artística e a riqueza dos signos linguísticos que recortavam a sua escritura literária.

            Vejo, agora, que o autor de Inscrições dos Lábios apurou ainda mais a harmonia verbal das suas criações estéticas, legando-nos um livro de poemas todo ele feito de signos culturais e de essencialidade poética. A claridade, o som, as cores, a música das palavras, a linguagem sublime do amor, a estética do corpo e da memória, as estruturas verbais desdobradas em letras e fonemas, entre outros elementos de figuração e estilo, formam o rio caudaloso da sua sintaxe literária.

        Trata-se de livro que merece ser lido, pensado, quiçá examinado por estudantes e leitores de todas as idades, pois a dignidade da grande escritura literária é o que nos resta preservar antes que a cegueira se faça a solução de todos os nossos desejos e sentidos.

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