terça-feira, 8 de abril de 2014

O Pensamento de Arnaldo Vasconcelos

                  Dimas Macedo

 
              Arnaldo Vasconcelos integra a linhagem dos grandes filósofos do Direito. No Brasil, filia-se à escola do normativismo, sendo, nesse campo, um dos seus representantes. Arnaldo compreende o Direito enquanto processo dialético, revestido de humanismo de feição democrática, onde o fato e o valor aparecem como integrantes do tecido da norma.

             O positivismo lógico do Direito, isto é, o Direito como conjunto hierárquico de normas, constitui uma ordem jurídica nacional ou um sistema nacional de Direito, porém o Direito, enquanto fenômeno social e humano, não prescinde desse aparato normativo.  O Direito, ao contrário, se sustenta em outra modalidade de lógica, na qual a norma é resultante da implicação-polaridade existente entre o valor e o fato.

              A problemática da destinação e da aplicação do Direito seria a sua pedra de toque, e o Direito seria norma de conduta e afirmação da liberdade resultante do imperativo categórico.

              No seu enunciado doutrinário, o Direito não comporta atividade sancionatória, não se reduz à sentença, nem seria atividade jurisdicional por excelência, ou produto do sistema jurídico do Estado, como querem os que defendem a Teoria Pura do Direito.

              A imperatividade e a coação não pertencem ao mundo do Direito. A equação jurídica seria produto de um juízo disjuntivo, de caráter atributivo ou autorizante, e não uma força social capaz de coagir ou de executar previsões de cunho normativo.

             A partir dessa concepção, e centrando o seu ponto de vista no jusnaturalismo e no jusnormativismo, Arnaldo Vasconcelos desenvolve a sua teoria da norma jurídica, tomando o Humanismo e a Democracia como pontos de inflexão da sua pesquisa filosófica.

              A sua compreensão da deontologia jurídica, leva-o a aceitar a natureza do Direito como resultante do trinômio – norma, fato e valor. No entanto, é na tripartição axiológica do Direito que Arnaldo vai encontrar a originalidade e os elementos de maior destaque do seu pensamento.

              O seu discurso de viés escolástico e jusnaturalista, se expressa de forma bastante clara, na sua Teoria da Norma Jurídica (Rio, Editora Forense, 1978), livro que constitui uma espécie de suma das suas reflexões no campo do Direito.

              Nesse livro, Arnaldo Vasconcelos estuda a natureza da norma jurídica e os fundamentos da sua legitimidade, da sua eficácia e da sua vigência, lamentando o autor que o espírito filosófico e científico da norma jurídica ainda não tenha sido considerado, com a máxima precisão, pelos estudiosos do Direito.

              Na concepção de Arnaldo Vasconcelos, teria ocorrido um crescimento no estudo da norma quando ela passou a ser vista, não a partir da sua imperatividade, mas como afirmação da sua natureza indicativa, expressando-se o autor da Teoria da Norma Jurídica da seguinte maneira: “Na relação jurídica formada pela norma, e em cuja exclusiva esfera o Direito se manifesta, direitos e deveres se pressupõem e se alternam. A relação é de coordenação e não de subordinação”.

              Assim sendo, o Direito seria expressão da conduta humana “em sua interferência intersubjetiva”, e a norma jurídica seria o modo de pensar essa conduta compartida e multilateral, permeada de fatos e valores.

              Na sua Teoria da Norma Jurídica, Arnaldo Vasconcelos não nega as normas de convivência determinadas pelo ordenamento jurídico ou pelo direito legislado; nem atenua a importância do positivismo jurídico que remarca a existência do Direito na modernidade. Pelo contrário, afirma que “a melhor doutrina sobre a natureza da norma jurídica tem suas nascentes na Teoria Pura do Direito de Hans Kelsen”.

               Leitor das fontes originais da cultura clássica e esteta por exigência das suas formas de pesquisa, Arnaldo Vasconcelos é autor de uma obra complexa e recortada de conhecimentos eruditos.

               Não lhe apraz o conhecimento do Direito legislado ou codificado, do direito-força ou do direito expressão da vontade dos que governam a máquina do Estado. O que lhe interessa, enquanto teórico do Direito, é a norma de conduta emergente do Direito Natural e a sua aplicação enquanto conduta humana intersubjetiva.

               A Teoria da Norma Jurídica, de Arnaldo Vasconcelos, constitui obra pioneira, e até hoje única no Brasil, no campo da sua especialidade. A clareza e a concisão da sua escritura e os argumentos com que Arnaldo construiu a sua exposição, fazem desse livro um clássico do nosso pensamento jurídico.

                Todas as formas de abordagem da norma jurídica são enfrentadas por Arnaldo Vasconcelos na elaboração desse livro. Nele já se contém, ainda que de modo implícito, os lineamentos da tridimensionalidade axiológica do Direito, teoria por ele formulada em – Direito, Humanismo e Democracia (São Paulo, Editora Malheiros, 1998).

                  Nesse último livro, assim como no seu ensaio – Direito e Força: Uma Visão Pluridimensional do Direito (São Paulo, Editora Dialética, 2001) – e na sua tese de doutoramento – Teoria Pura do Direito: Repasse Crítico dos Seus Principais Fundamentos (Rio, Editora Forense, 2003) –, Arnaldo Vasconcelos ombreia-se a filósofos do Direito do porte de Miguel Reale, Lourival Vilanova, Machado Neto e Tércio Sampaio Ferraz Júnior, ultrapassando diversos teóricos do Direito amplamente cultuados por gerações recentes.

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