domingo, 18 de fevereiro de 2018

Dimas Macedo - Entrevista a Geraldo Jesuíno

Dimas Macedo

Geraldo Jesuíno –  Em A Distância de Todas as Coisas (1980) você lavra, como quem entalha na alma, o poema “Versos Dissolutos”. Registrou-se ali a sua carta de intenções diante da vida e da poesia?

Dimas Macedo – “Versos Dissolutos” é, indiscutivelmente, uma carta de intenções diante da vida e da poesia. A sua pergunta repercute em mim como um espanto. Fico estarrecido ao perceber o quanto esse poema responde às questões referentes à arte e ao significado da linguagem. Aos vinte e dois anos, quando escrevi esse poema, eu já me encontrava atravessado pelas interrogações do devir e da poesia enquanto pressuposto da minha existência e do ser existencial para a morte. Eu já sabia que estava condenado a escrever e a repetir o sacrifício de Sísifo como alternativa para as minhas crenças, sonhos e valores, em busca de uma resposta para as minhas dúvidas.

Jesuíno No poema “Ofício” de Estrela de Pedra (1994), enquanto reafirma a sua devoção à poesia, você revela ingredientes que marcariam o seu fazer poético. Desvario ou, ali, o poeta já detinha na consciência o espaço do seu devir?

Dimas – Entre 1980 e 1994, decorreu o tempo do meu aprendizado mais sólido como poeta e leitor de poesia. Também nesse período, ocorre a minha maturidade como crítico literário. A Distância de Todas as Coisas, de 1980, assegurou o meu ingresso na literatura e, em 1994, Estrela de Pedra confirmou a minha permanência nesse campo. O poema “Ofício” compreende, talvez, a síntese de todas as minhas intenções. Não creio que aí se tenha registrado um desvario, mas a confissão de uma dor que constitui a matéria-prima da minha atividade de poeta, tão bem captada por Paulo de Tarso Pardal no seu ensaio instigante “Dimas Macedo e a Poética da Dor”, cuja leitura recomendo para os meus leitores, ao lado do artigo de Batista de Lima “A Distância de Todos os Dimas”
  
Jesuíno O poema “Claridade”de Liturgia do Caos (1996) é um dos tantos escritos seus, marcados pela corrente filosófica Heideggeriana. Seria justo afirmar que a sua poesia caminha de braços dados com os ideais literários de Albert Camus?

Dimas – Em primeiro lugar, ponho-me diante da filosofia do ser e da filosofia da linguagem, com as quais estou totalmente de acordo. Como existencialista, me devotei, desde cedo, à leitura dos escritos filosóficos de Sartre e Albert Camus, mas a paixão que em mim se foi consolidando, diz respeito à obra literária deste último, de quem sou devoto e leitor obstinado. Interesso-me não apenas pela sua escritura, mas pelos seus ideais, pelo seu sentido de integridade e de liberdade do homem diante dos percalços da vida. Na Carta Sobre o Humanismo, de Heidegger, e nas páginas monumentais de Sartre em O Existencialismo é um Humanismo, encontrei a minha plataforma filosófica, mas foi a obra de Albert Camus que tomei como norte para seguir adiante como esteta da literatura. Os ideais de Albert Camus são literários e libertários e não é à toa que ele é o autor de livro de bolso mais lido pelos jovens, nos países onde a sua obra foi traduzida. Ponho em revelo, também, o teatrólogo e o pensador Albert Camus, trazendo à discussão livros como O Mito de Sísifo e O Homem Revoltado.

JesuínoO poema “Jangurussu” de Vozes do Silêncio (2003), ao modo dos condoreiros, abre um compartimento na sua temática poética marcadamente existencialista. Influência do Dimas Macedo jurista ou natural sentimento cristão?

Dimas – Sentimento cristão e influência do jurista. Nunca me aferrei à letra fria da lei, mas à sua essência, especialmente, aquela que postula a justiça material e a igualdade. Apesar de ser um operador do Direito, nunca me deixei iludir pela retórica do Estado e das suas autoridades. A minha produção de jurista e a minha atividade de professor aí estão como testemunhos de que sempre andei na contramão, buscando, com os meus alunos, o Direito achado nas ruas e o Direito desprezado pelos tribunais quando das suas decisões em favor dos detentores do poder. “Jangurussu” é um dos meus poemas favoritos. Integra os meus poemas de fala insubmissa, reunidos, em sua maioria, em Lavoura Úmida (1990), livro que foi estudado por Rodrigo Marques no ensaio “Poesia Insubmissa”.

JesuínoHá uma tendência erótica em inúmeros poemas da sua obra, como em
“Nervos” do livro O Rumor e a Concha (2009). Inclinação à poesia erótica ou
aclamação ao amor e à liberdade?

Dimas – Aclamação ao amor e à liberdade, num primeiro plano, e inclinação à poesia erótica, que é, talvez, o traço mais distintivo e mais expressivo da minha produção. Sinto-me, continuadamente, provocado pela magia de Eros e pelas suas insinuações, talvez porque Eros ande sempre de mãos dadas com Tanatos, um dos fundamentos da minha evocação no campo da linguagem. “Poética”, um dos poemas do meu livro Liturgia do Caos (1996, 2ª ed. 2016), compreende o meu elogio a Tanatos enquanto força criativa da arte e simetria da minha liberdade. A palavra escrita como casa do ser, e a linguagem poética como cosmovisão da existência, são coisas que fascinam o meu trabalho com a poesia e a filosofia. Vivo sempre A Caminho da Linguagm, para aqui me valer do título de um dos livros de Heidegger, o filósofo para o qual sempre volto, por ser ele o maior reconstrutor da filosofia, após a sua demolição pela obra de Nietzsche.

Jesuíno – Poeta, o poema “Oblívio” do livro Liturgia do Caos (1996) desenha quanto do seu universo de “ser” e de “poeta”?

Dimas – No plano simbólico e também enquanto construção alegórica, esse poema corresponde a cem por cento daquilo que eu poderia aspirar como poeta, lembrando, aqui, que um dos versos desse poema teve a sua escansão e o seu sentido existencial sugeridos por uma provocação da sua parte, o que tornou o poema mais universal e consistente. Se tivesse que escolher cinco dos meus melhores poemas, “Oblívio” estaria entre eles.

Jesuíno – Quem conhece Dimas Macedo não se espanta com o respeito e a paixão com os quais abraça e ampara, sem rodeios ou dissimulações, os seus poetas, estetas, amigos do peito, aqui invocando as “Décimas a Alcides Pinto” do livro A Face do Enigma (2002). Cria um laço que foge do limite da razão. Então aí, poeta, você é mestre ou aprendiz, protetor ou protegido, padrinho ou afilhado fiel?

DimasSempre me foram gratificantes as minhas amizades com poetas, estetas e com os grandes criadores da literatura, a exemplo de Gerardo Mello Mourão. Dessas criaturas eu me sinto apenas aprendiz. No caso de Alcides Pinto, a coisa toma um vulto singular. Amigo e mestre exemplar de estética literária, com ele aprendi a técnica da contenção de linguagem e a arte da claridade do texto. Lendo Graciliano Ramos, compreendi que a palavra não foi feita para enfeitar o texto, mas para dizer. A minha convivência com os clássicos começou muito cedo. Quando publiquei o meu primeiro livro, A Distância de Todas as Coisas (1980), eu já tinha lido a poesia de Fernando Pessoa e Ferreira Gullar, os poetas que mais admiro e com os quais me identifico, ao lado de Manuel Bandeira. 

Jesuíno – Poeta do Salgado, você fez o poema “Martelo”, incluído em {Codícirio} (2018), em redondilha maior num bom estilo cordel, geralmente não muito benquisto nas rodas acadêmicas. Você não tem medo de poesia regional?

Dimas – Mestre Jesuíno, acho que você quis dizer poesia popular, quando falou em poesia regional, que é, no entanto, uma das suas facetas. A poesia universal, no seu sentido clássico, sempre teve o seu tônus popular e sempre foi aprendida de ouvido, como ocorre com a poesia dos cantadores de viola do Nordeste e com o folheto de cordel, que ganhou o status de literatura, no sentido mais genérico do termo. A distinção entre literatura popular e literatura erudita é produto da Modernidade e da imposição da cultura burguesa. As rodas acadêmicas defendem, no geral, apenas os valores que lhes são revelados pela atividade científica. Juvenal Galeno e Patativa do Assaré, os mais conhecidos poetas do Ceará, não provieram da cultura erudita nem foram por ela legitimados, mas não se pode dizer que eles não são dois escritores do maior talento. Em alguns dos meus livros, recolhi redondilhas e poemas de gosto popular, como é o caso de “Martelo”, sem contar os cordéis que escrevi, dentre eles, “Décimas a Alcides Pinto”. Orgulho-me, portanto, dos poemas populares e das redondilhas que me foram sopradas pela melopeia.

                                                                                                             Fortaleza, setembro de 2017;
                                                                                                                      Brasília, fevereiro de 2018.